Conforto animal pelos olhos de Temple Grandin

Revista ABCZ Mar-Abr-2011Revista ABCZ Mar-Abr-2011

Ganhador de vários prêmios do Emmy Awards 2010, concedido a programas televisivos da TV norte-americana, e também do Globo de Ouro, o longa-metragem “Temple Grandin”, produzido pelo canal HBO, retrata a história de vida da mulher que revelou ao mundo alguns dos principais conceitos sobre comportamento animal. Pesquisadores, pecuaristas e indústrias frigoríficas seguem o exemplo e trabalham para implantar o manejo racional em nosso país.

O que os animais veem, como interpretam os estímulos e como reagem a eles. Todas estas dúvidas começaram a ser traduzidas ainda na década de 60, por uma jovem norte-americana que anos mais tarde viria a se transformar na maior referência no estudo do comportamento animal, em especial de bovinos. Diagnosticada como autista aos quatro anos de idade, Temple Grandin padeceu com as incompreensões de uma sociedade que ainda desconhecia as principais características do transtorno que acomete cerca de 20 entre cada 10 mil nascidos, dentre elas a hipersensibilidade a sons e cores, dificuldade de aprendizado de disciplinas específicas, como álgebra e línguas, problemas de socialização e comunicação e indiferença a manifestações de carinho e afeto.

Porém, ao mesmo tempo em que sofria com suas próprias limitações, Temple revelava-se uma exímia pensadora visual. Seu talento para analisar detalhes não percebidos por outras pessoas, aliado ao dom de armazenar imagens e conectá-las, fez com que a jovem descobrisse na Ciência o caminho para sua realização profissional e compreensão pessoal.

A primeira imersão de Temple no mundo animal se deu durante as férias do verão de 1966, quando hospedou-se na fazenda de sua tia Ann, no estado norte-americano do Arizona. Nesta temporada, ela teve a oportunidade de vivenciar o dia-a-dia da lida com os animais.

Logo percebeu que grandes animais, como equinos e bovinos, apresentavam um tipo de visão diferenciada dos humanos, ou seja, um campo de visão ampliado, podendo perceber tudo o que se passava ao redor.

Através da experiência na fazenda, Temple começou a fazer informalmente os primeiros levantamentos sobre o modo como os animais reagiam aos estímulos externos. A jovem percebeu, por exemplo, que quando colocados no interior do tronco de contenção, os animais se acalmavam. Atenta a este detalhe, a jovem vivenciou pessoalmente a experiência dos animais no interior do tronco e percebeu, que em momentos de pavor, o local transmitia uma sensação semelhante à de um abraço, o que lhe mantinha protegida. A experiência pessoal no interior do tronco fez com que Temple projetasse uma máquina que fosse capaz de “abraçá-la”, uma vez que, devido ao autismo, ela rechaçava todo tipo de toque através do contato humano.

Logo após a formatura, no curso de Psicologia, a jovem autista resolveu se dedicar ao estudo da Zootecnia na niversidade Estadual do Arizona.

Durante o estudo, a pesquisadora constatou que gado assustado não agia corretamente, ou seja, não fugia do “perigo” em linha reta. Um dos detalhes observados por Temple foi o fato de que os animais tendiam a se movimentar em círculos e este movimento circular os acalmava. A jovem analisou ainda situações desconfortantes para os bovinos durante o manejo, como sombras no interior do brete, reflexos e barulhos, constatando uma série de motivos que levavam os animais a refugar.

A conclusão a que chegou foi que, assim como para um autista, o excesso de estimulação incomodava os animais, gerando desconforto e até mesmo pânico. Em sua tese, Temple propôs o manejo do gado em currais circulares (pois, segundo ela, o gado entende que está indo para o mesmo lugar de onde veio, e, assim, caminha tranquilamente). Dentre as principais características destes currais, além da própria circularidade, está o fato de serem maciços (com paredes sólidas), com piso contendo ranhuras e o tronco apresentando área menor. A forma de atuação dos vaqueiros também influi no manejo preconizado por Temple, pois, neste tipo de curral, os profissionais (além de não usarem equipamentos como ferrões) devem andar em sentido horário, para que os animais possam caminhar tranquilamente em sentido contrário.

Suas orientações em relação ao manejo e bem-estar dos animais ecoam por todo o mundo. No Brasil, maior produtor de carne bovina do mundo, os conceitos da Dra. Temple são seguidos por alguns pesquisadores e criadores. Confira o depoimento de alguns deles!

Epaminondas de Andrade - Faz. Vale do Boi“Há 27 anos, quando comecei a investir em pecuária no estado de Tocantins, muitos trabalhadores não se adaptaram ao manejo dos animais que eu queria que fosse implantado na fazenda. Já naquela época eu fazia um manejo diferenciado, onde não era permitido o uso de ferrão, gritos e nem que se batesse nos animais. Muitos funcionários não entendiam, principalmente pelo fato de trabalharmos com o nelore, que é considerado um animal arisco. Mas fomos criando essa cultura ao longo dos anos. Há aproximadamente cinco anos, tivemos a oportunidade de levar o professor Matheus Paranhos para a fazenda e desde então começamos a implantar outras características do manejo racional. Não houve mudanças significativas na estrutura dos currais, mas sim na forma de lidar com os animais a campo. Por exemplo, no momento de curar o umbigo de um bezerro, não jogamos o animal no chão de qualquer jeito. Agindo com cuidado, o animal aprende desde pequeno que o homem não é um agressor. Este tipo de manejo já está consagrado na minha fazenda. Entendo que é positivo, pois melhora consideravelmente os índices de ganho de peso e prenhez, além de evitar acidentes de trabalho. Na fazenda, já fizemos demonstração para estudantes mostrando que um vaqueiro com uma bandeirinha é capaz de apartar 100 vacas nelore paridas”.


Epaminondas Andrade – Fazenda
Vale do Boi – Carmolândia/TO